segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Os Ombros Suportam o Mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade

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Eu sou essa pessoa a quem o vento chama


Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.

Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.

Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.

Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:

- Agora és livre, se ainda recordas

Cecília Meireles
(1901-1964)

Mais sobre Cecíilia Meirelles em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cec%C3%ADlia_Meireles

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